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"Amo-te cega-(mente)"

Ela era cega. Tinha um jeito único de fazer as coisas, às vezes chorava por não poder enxergar. Outras vezes ficava horas e horas a fazer coisas repetidas para se poder aprimorar cada vez mais e superar-se a cada dia que passava. Todos os dias, tentava impressionar o seu esposo de alguma forma. Engomava sempre a roupa da maneira que ele gostava : sem vinco. Escolhia sempre as cores certas. Separava o pijama dele e deixava-o bem embrulhadinho por cima da cama, pronto para quando ele chegasse. O comer era sempre muito saboroso, nunca queimava a comida e fazia com que o seu marido lambesse os dedos literalmente. Mas ele não notava nada daquela dedicação. Não conseguia enxergar o amor que havia em todos aqueles gestos. Apenas notara o facto de Emília ter engordado alguns quilos, o que fez com que Osmar perdesse o total interesse por ela e procurasse outra mulher.

Todos os dias Emília apalpava o rosto do seu esposo.

-Deixa-me saborear a tua beleza- Dizia ela em tom suave e cheia de amor em sua voz.

Certo dia, ele aparecera de mãos dadas à mulher ao qual mantinha um relacionamento. Riram-se os dois quando a viram. Ela estava a espera dele com um vestido de seda vermelho, que realçava bem as suas curvas e revelava as suas gorduras localizadas.

-Preparei esta surpresa para ti ! Este jantar a luz de velas - Disse ela cerrando os olhos enquanto esbanjava um enorme sorriso.

-Olha, preparei a tua comida favorita, senta-te- Continuou.

Ele pretendia romper tudo com ela, assim que ela o fosse apalpar, sentiria também uma mulher ao seu lado, de mãos dadas a ele e assim não teria de dizer nada. Nem de se explicar.

Sentiu logo que para além dele, tinha mais alguém dentro de casa. Uma presença feminina.

-Não me vais apalpar hoje ?- Perguntou ele aproximando-se dela.

-Não é a tua aparência que me completa. Eu amo-te assim, cegamente. A tua beleza é só o tempero desse sentimento. Mas amo-te em primeiro lugar, pois ela só vem temperar o que sinto aqui dentro. Amo-te pelo que és. Não me apaixonei pelos teus traços físicos. Eles mudam constantemente. Apaixonei-me antes pela pessoa que vive aí dentro. Conheço cada traço da tua personalidade. Vejo coisas que mais ninguém pode ver. As outras pessoas olham para o rio. Eu mergulho dentro dele.

Gosto de tocar no teu rosto, para saborear cada traço , já que não te posso olhar.

Ela rasgou o vestido e deitou-o para o chão. Em bom tom exclamou :

- E sabes o porquê deste belo vestido novo ? Para tentar perceber aquilo que precisava. Se apesar de todas essas minhas imperfeições, tu consegues fechar os teus olhos tal como estão os meus e amar-me. Amar-me cegamente!



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